Naquela noite preferi esperar o movimento na esquina acabar. Só fui até lá quando todos já tinham ido embora. Enquanto observava meus amigos, tive a impressão de que, na minha ausência, tudo era mais intenso e interessante. Isso foi bom, mais ou menos como uma auto-análise, se bem que, lá no fundo eu não me importava muito, pelo menos naquele momento. No silêncio da madrugada, finalmente a encruzilhada esvaziou. Fui até lá com meu violão e sentei no meio-fio. Na melodia triste e solitária dos acordes, o tempo ia
passando, procurei me concentrar na música, mas algo me dizia que não estava sozinho. Parei, fumei um cigarro. A neblina tornava minhas baforadas mais densas. O frio já era uma realidade, gostei daquilo, era a noite perfeita para algumas horas de solidão criativa no lugar onde as vidas se cruzam e deixam histórias fantásticas. Comecei a tocar novamente e algumas luzes se acenderam, mas não houve protestos desta vez. Havia algo estranho nisso, foi quando ouvi os passos lentos se aproximarem de mim. Jamais tinha visto aqueles homens e mulheres, sentaram à minha volta e pediram que tocasse. Aquelas pessoas me inspiraram, e enquanto eu cantava meu melhor repertório eles riam e bebiam, abraçavam-se em um êxtase musical inspirado e acolhedor. Mas ainda faltava algo para que sua alegria fosse plena, eu apenas não sabia o que era. Seus olhos eram apagados. Uma jovem sentou-se ao meu lado, contou-me uma história confusa, algo sobre como eu um dia faria parte da sua vida, que me encontraria em alguns anos. Senti pena dela, e lhe ofereci uma bela canção, cheia de esperança. Ela pediu a todos que fizessem silêncio para ouvir e eu cantei. Cantei como nunca havia cantado nem soltado a voz, fechei os olhos e deixei que cada estrofe surgisse da minha alma, percebendo que, na ausência dos meus amigos, tudo também podia ser mais intenso e interessante, por mais que eles não se importassem com isso. Terminei a canção deixando o último acorde soar até parar sozinho, sem minha intervenção. Abri os olhos, e estava sozinho, somente a neblina que se dissipava. Levantei lentamente e acendi outro cigarro, olhei à volta, realmente não tinha ninguém. Talvez minha música não tenha sido boa o suficiente. Guardei o violão, com uma impressão estranha, uma sensação de muitos olhos sobre mim. Caminhei até o portão da minha casa, olhei novamente para a esquina, lá estava aquela jovem, triste com seu olhar apagado, bem no meio da encruzilhada. Amo meus amigos, amanhã me encontro com eles.
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