sábado, 13 de novembro de 2010

Nova Seção : Contos das Encruzilhadas



Eu ainda não sei por que continuo com isso. Três horas tocando violão, os sorrisos acontecem, flertes, favores para as almas dos artistas que carregam doses dolorosas de uma solidão, sempre desejada. Esta noite nada foi diferente, as mesmas músicas, a sensação de que todos os acordes poderão ser os últimos, e
que cada estrofe representa a alma daqueles que a cantam. Encosto o violão, se foram os flertes e ficaram somente as amizades, fiéis como esta esquina, como esta noite fria e cheia de vultos por trás desta neblina espessa. A fogueira já não nos aquece, e seu crepitar é somente o caminhar desesperador para o fim de mais este encontro. Daqui a pouco, todas as palavras serão lamentos regados pela embriaguês necessária, uma embriaguês que destrava o desabafo dos boêmios, que fingiram ser felizes durante todo o dia. Tento pegar o violão de novo, antes que isso aconteça, mas minhas mãos dóem muito. Faço isso há muito tempo, e cada vez mais tenho certeza de que não sou o dono deste espaço. O clima muda durante a madrugada, o frio é intenso e o cheiro da fumaça já impregnou na roupa. Há alguém do outro lado da rua, apenas nos observa. Tento avisar aos outros, mas percebo que não há mais ninguém ali. Eles foram embora enquanto eu meditava sobre sua embriaguês necessária.  O vulto do outro lado da rua não parece com os boêmios da periferia, não se parece com ninguém. Não vejo expressão, não vejo rosto, e ele também não fala, apenas acende o cigarro, e senta no meio-fio. Pego o violão e começo de novo,  blues, rock, psicodélico, o conhaque ajuda a me manter aquecido. Ao final da quarta música, ele já não está mais lá.  O violão volta para a sua capa, a garrafa de conhaque, meus passos já não são tão firmes. Para trás, fica a fogueira em seus últimos momentos. A noite terminará com tudo no seu lugar, e cada lugar com seu dono.

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