A vida de quem andava por aqui tinha uma trilha sonora bem definida. Freadas de carros, gritos, tiros, animais urbanos da noite que insistiam em viver à nossa volta. Às vezes podíamos ouvir mais do que isso, mas nosso barulho interior não cessava, assim como nossas bocas incansáveis. Quando não falavam, estavam cheias de álcool. Queríamos resolver o mundo em milhões de palavras e nós mesmos não as suportávamos. Era hora de separar a tribo, cada um pegava sua ponta da encruzilhada e sumia por uns tempos. Era hora de estar só. Hora de ouvir o vento e perturbar-se com o silêncio esmagador da madrugada. Ouvir o ecoar das nossas próprias maldições, ouvir o medo que carregamos oculto nas nossas palavras motivadoras, rebeldes e corajosas. O Deus que sempre ali estava, nos observava, paciente e ciente de tudo, e às vezes dava para sentir seu olhar piedoso para nossa humilhante condição de seres que buscam a todo custo, apenas não precisar provar nada a ninguém, nem mesmo a Ele. Mas este momento de intimidade sempre acabava. Os tiros voltavam, os carros, os gritos. Era hora de voltar e pegar o violão, encher a boca de álcool ou de palavras de ordem, revolução, vida e morte. Até hoje, não precisamos provar nada pra ninguém. Talvez nossa prece rebelde tenha sido atendida e por mais que parecesse, jamais estivemos sós. O vento no rosto não mente: agora, está tudo bem.
fantastico como sempre!
ResponderExcluirObrigado Luana, é bom saber que pessoas de extrema qualidade nos lêem. A casa é sua! Abraços!
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