A solidão faz parte da arte. Não importa o quão famoso seja o artista, ela é quem determina sua competência e seu crivo criativo. Hoje estou só. Somente eu e as ruas que se cruzam. Os acordes são aleatórios, a cada melodia mais palavras se confundem com a harmonia insana de uma noite fria. Acendo um cigarro e aprecio sua fumaça tornar-se mais densa com a neblina. A loucura também faz parte da arte, o risco e o perigo
contracenam na esquina da periferia onde a luxúria e o ódio são companheiros dos viciados. É aqui que posso sentir a criação acontecer e tornar-se concreta diante de meus olhos vermelhos e cansados de um dia de trabalho. O tempo passa mais lento, e cada passo nesta vila a esta hora é ampliado. Ao longe, um isqueiro, tem mais alguém desfrutando do seu vício maléfico numa esquina. Não somos sociáveis, apenas fazemos aqui o plantão da crueldade para que os inocentes se sintam mais leves da sua hipocrisia. Eles estarão bem quando amanhecer, sorrindo e dispostos a enfrentar anestesiados o caos da mediocridade. Agora ouço passos, vêm na minha direção, femininos, salto alto, mais uma mulher boêmia que deve se assustar com minha presença aqui. Hoje não vou andar lentamente atrás dela só para vê-la correr apavorada, principalmente por que deve ser a mesma mulher da noite passada. Volta do trabalho tarde, bem arrumada. Não a julgo, ou melhor, a julgo com respeito, algumas pessoas trabalham sério mesmo. Os passos se aproximam mais, porém não vejo ninguém, a neblina está muito densa esta noite. A sensação de propriedade me impede de sair daqui, não pretendo dividir a encruzilhada com ninguém hoje. A solidão faz parte da arte. Agora sinto um perfume, o brilho da foice passa diante dos meus olhos. Ela segue seu rumo, passou por mim em direção ao isqueiro que vi à distância. Acendo outro cigarro e ouço um grito. O vento completa a agonia do momento. Está frio e a inspiração tornou-se medo, não há com quem compartilhar a história, o perfume, o grito e os devaneios. É hora de acender a fogueira e tocar uma música, com sorte, ela virá aqui, sentará junto ao fogo, e me contará algumas histórias. Com sorte conseguirei ouví-las, e contá-las em outra ocasião. É assim mesmo, a loucura também faz parte da arte.
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