Sempre há uma oscilação nas amizades e nos amores. Ora são de um nível, de um núcleo, e quando tudo parece encaminhado, revela-se em nós a nossa própria condição humana, e as mentiras e intrigas, assim
como verdades indecorosas mudam esses cursos. Essa moça, sem nome por motivos óbvios, fez parte de uma dessas fases. Chegou nova na encruzilhada, sob olhares de desejo e inveja, mas logo despertou mais do que isso, despertou movimento e ação. Enquanto tocávamos músicas de protesto, os olhares se cruzavam em flertes perigosos, a noite passava e nós, remanescentes da noitada e guardiões mais fiéis da esquina já sabíamos que a menina estava corrompida pelos desejos sombrios da noite. É impressionante como a noite pode confundir a mente das pessoas, de modo cruel. Os inimigos se aproveitam disso. O tempo passou e ficava claro que, a qualquer momento aconteceria uma oscilação, o ciclo mudaria. Também é impressionante como a linguagem identifica a situação de um grupo de pessoas. Os sonhos mudaram, as músicas também, mas ela era constantemente alimentada com a idéia de que aquilo era para sempre. Quando cantávamos, seus olhos brilhavam em sintonia com os acordes e letras que mudariam o mundo. A música também pode ser cruel, e nós fomos soldados da sua frieza, dos seus requintados métodos de coerção de mais essa vítima da ilusão e do glamour do submundo. Naquela noite, no entanto, não haveria festa. A chuva estragou todos os planos e as canções foram transferidas para a segurança de uma casa. A tempestade não parava, e ninguém sentiu sua falta. Larguei o violão no canto e olhei pela janela. Ela estava lá, sozinha na encruzilhada chuvosa. Os relâmpagos iluminavam uma face frustrada. Traída, sobrou somente a companhia das suas drogas. Sob a chuva, ela sentou e chorou. Peguei novamente o violão e toquei algumas músicas tristes, épicas e viscerais. Cantamos até amanhecer algumas elegias tristes, como que prevendo um requiém perverso que nos acompanharia. Ela nunca mais foi vista. Foi mais uma vítima da oscilação das amizades e dos amores. Mais um ciclo que se fechou. Hoje, muitos anos depois, em noites de tempestade, você poderá vê-la e até ouvir o choro, naquela mesma encruzilhada. Nestas noites eu evito as canções, afinal, quando o ciclo termina, é bom que suas vítimas já estejam enterradas, caso contrário, elas são responsabilidade nossa, vivas ou mortas. O que nos sobra é mais uma história, um fantasma e o sorriso sarcástico dos algozes, reveladores da nossa condição humana. Essa é a parte que nos cabe.
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